Custo da Ansiedade

Reproduzo abaixo, artigo de minha autoria publicado na edição de ontem (27/04/2009) do jornal Valor Econômico.

Crédito, a cara máquina do tempo do gasto futuro
Luiz Humberto Veiga
27/04/2009

Para as pessoas físicas, o crédito significa descontar o futuro. Ficou mais complicado do que pensar em um empréstimo? Vamos tentar novamente. O crédito possibilita, a um determinado preço, viver no presente o que só poderíamos viver no futuro.

A palavra “descontar” vem do preço pago para esta antecipação. Se você viver no presente o que só poderá viver no futuro, usará parte da riqueza futura para “remunerar” esta máquina do tempo.

Isso quer dizer o seguinte: aproveitar do tempo não é grátis. Antecipar o futuro é indisponível a custo zero, caso contrário, todos antecipariam, porque, como se fala: “o futuro a Deus pertence”.

Aí vem a questão: quanto custa a antecipação? Para tentar responder a esta pergunta, vou falar das taxas de juros. Todos nós sabemos que as taxas brasileiras estão entre as mais altas do mundo. Um dos motivos para tal é o fato de que temos uma “ansiedade” muito grande, isto é: damos muito valor ao presente em relação ao futuro. Sendo mais específico, aceitamos pagar um preço muito alto pelo desconto da nossa riqueza futura.

Insisto em não discutir a questão da oferta, isto é, das instituições e pessoas que têm dinheiro disponível para emprestar. Manterei meu foco na demanda, ou seja, naquelas pessoas que não se controlam na hora de adquirir um celular de última geração ou uma TV de LCD, independentemente do fato de terem ou não recursos para tal.

Vamos a um exemplo de empréstimo de R$ 1.000,00, a uma taxa (Custo Efetivo Total – CET) de 5% ao mês em 24 parcelas de R$ 72,40. O tempo que você levaria para juntar o dinheiro de que precisa se colocasse o valor da prestação em um investimento que rendesse 0,5% ao mês seria de 13 meses (11 meses a menos do que o número de prestações). No exemplo que estamos discutindo, o “Custo” da ansiedade foi de R$ 0,77377 para cada real que você pediu emprestado, isto é, você teria pago R$ 773,77 a mais para comprar agora o que poderia comprar em pouco mais de um ano! Dependendo da sua renda, esse valor pode ser significativo.

Ao “descontar” o futuro, você ficou R$ 773,77 mais pobre. Chamo sua atenção para o seguinte: quando as taxas de juros são baixas, o custo da ansiedade será pequeno e, na maioria das vezes, afetará a sua decisão de compra, fazendo com que o consumo aumente. As taxas de juros tendem a ser mais baixas onde a ansiedade do povo é menor.

Se refizermos as contas para o caso de um CET de 1% ao mês, o mesmo empréstimo de R$ 1.000,00 terá como parcelas R$ 47,07, o que elevaria o tempo de espera para juntar o dinheiro para 20 meses em vez dos 13 calculados no outro exemplo. A diferença agora entre o acúmulo do dinheiro e o prazo do financiamento caiu de 11 para 4 meses. O custo da ansiedade, nesse caso, passou de R$ 773,77 para R$ 185,96. Por outro lado, vale lembrar que se estava pagando o primeiro valor para antecipar 13 meses (R$ 59,52 por mês antecipado). Com 1% de CET, o valor mensal da antecipação cai para R$ 9,30, uma vez que seriam necessários 20 meses para acumular os R$ 1.000,00 com a prestação calculada para a taxa mais baixa.

Para levar em conta esses cálculos, são necessários dois pressupostos:

a) Você não tem urgência real para adquirir o bem. Se tiver urgência, como é o caso de um eletrodoméstico que pifou definitivamente, a discussão não se aplica. É um caso de “emergência” e deve ser tratado no campo da redução de riscos (seguros, etc.)

Se você estiver comprando roupas dispensáveis, um celular ou computador mais novo, mesmo que os anteriores estejam em perfeito estado de funcionamento, sim, a conta se encaixa perfeitamente à situação.

b) Você tem condição financeira para pagar a prestação. Se isso acontece, não há como dizer que não dá para poupar, porque existirão recursos disponíveis.

Mas, caso o seu perfil comportamental de impaciência seja tamanho, realmente, não será uma questão de discussão racional que bastará para reverter essa atitude. Infelizmente, a questão, nesse caso, foge da minha competência, ficando no campo dos estudiosos da psicologia e da sociologia.

A ansiedade, portanto, tem um preço. Ele se revela não apenas nessa evidenciação matemática e racional, como na percepção das pessoas que estão fazendo negócios com você, determinando o nível de redução de valor que podem aplicar antes que o “peixe morda a isca”. Da mesma forma, é o domínio dessa ansiedade que poderá levar a uma redução nas taxas de juros para os consumidores.